quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Sempre pensei que as marés iam e voltavam. Digo as marés da vida – que me parece uma frase batida.
As coisas aconteciam todos os dias e quase todos os dias eram diferentes porque eu as impunha diferentes. Debato-me ainda com as questões do amor e falo do amor-plural. E é aí que sou eu – a entrar no palco, a representar.
O meu avô dizia-me que fizesse sempre perguntas, que questionasse, que indagasse, que nunca deixasse de ler nas palavras de um livro as letras que não existiam. Ainda hoje, as letras que não existem nas palavras que o meu avô me dizia fazem todo o sentido. E sentido é aquilo que não encontro nas impressões diárias. Aquelas que crio todos os dias para que os dias sejam diferentes. O pão com manteiga sabe sempre ao mesmo, excepto quando não lhe ponho manteiga. Ainda assim, sempre que quis trocar as agulhas, nunca fui capaz de o fazer. A rota mantém-se sem quebras, como se andar para a frente fosse peremptório.
Nas palavras do meu avô existia sempre um rumo vago. Com ele aprendi quase nada. Se não tivesse existido

               - Rapariga, anda cá. Estás a ver, isto é um livro.

não teria lido o meu quase meio século de existência. Abordaria a história de uma forma diferente e contaria com palavras a menos. Habituámo-nos às pequenas coisas tão depressa como procuramos o peito materno. É quase uma imposição. É uma imposição. Teria vontade de ir mais longe não fosse a vontade de ir a lado nenhum.

Parei.

O meu avô contava muitas histórias e eu pedia-lhe sempre que me contasse a minha. Aprendi a não ter medo. A nossa história só pode ser contada no fim. Se me perguntarem se tenho medo de morrer, posso afirmar que não. No entanto, tenho medo de saber que o que me agarra à vida não é a minha vida, são as palavras dos outros com todas as letras que não são ditas.
Aprendi com os livros do meu avô a dissecar a ordem das coisas e é por isso que não mudo as agulhas.